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02/05/2018

Nabil Bonduki

Cultura pode fazer a diferença para sair dessa maré

Texto publicado na Folha de S. Paulo em 1º de maio de 2018

Por Nabil Bonduki

Belo domingo de sol e de lua cheia. 

Na avenida, que já foi dos barões do café e que se tornou a praia paulistana, centenas de milhares de pessoas, de todas as cores, orientações sexuais, etnias, classes e ideologias, circulam sem medo nem preconceito, entre manifestações culturais, políticas, religiosas e recreativas de toda natureza. 

Em um país contaminado pela intolerância, ódio e medo, foi um alívio percorrer, a caminho da nova unidade doSesc, a Paulista Aberta. Sentir o ar da liberdade e do respeito às diferenças, que está na origem das cidades. 

Enquanto os tiros no acampamento de Curitiba ainda ressoavam como um pesadelo, a avenida exibia tolerância e democracia no espaço público.

Entre comidas típicas, arte de rua e convivência, surgiam cartazes de homens engravatados de um partido libanês, em campanha para suas eleições. Em árabe, divulgavam propostas e candidatos para os residentes em São Paulo. A poucos metros, bandeiras com a estrela de Davi balançavam ao vento, sem serem incomodadas.

Em frente ao Trianon, dezenas de jovens, com camisetas azuis estampadas com os dizeres “Jesus é o caminho”, cantavam e dançavam músicas evangélicas, ao mesmo tempo em que, ao lado, outros se divertiam em um show de transexuais com roupas provocantes.

Marielle estava presente por toda parte, mas, junto à Fiesp, que não quer “engolir o sapo”, remanescentes da legião de camisas amarelas ainda se faziam presentes, sem gerar conflitos.

Nos 2,8 km de uma avenida repleta, um sem número de tribos e gêneros musicais se misturavam em uma sinfonia que servia de fundo para um ensaio de balé clássico, para um treino de bambolê e para uma brincadeira de crianças com bolas de sabão. 

Cores e sons que expressam a diversidade brasileira. Enquanto a cidadania cultural se esbaldava no asfalto, no palco montado pelo novo centro cultural se revezaram artistas que resumem o que há de melhor e mais forte no país. 

A Paulista Aberta para cidadania criou, sem obras e nem custos, uma arena para a vida e liberdade, que reforça e é reforçada pela concentração de espaços culturais gratuitos. 

O belvedere no alto do Sesc, que democratiza a vista da cidade e que nos permite ver longe, é simbólico dos novos ares que precisamos respirar. 

A política parece estar contaminada pela intolerância. Já a cultura oferece uma linguagem simbólica e emotiva que pode ajudar o país a sair dessa maré, reabrindo canais de diálogo que, sem camuflar diferenças, encontre saídas pactuadas para a crise que vivemos.

Que o Dia do Trabalho seja de sol, de convivência, de respeito às diferenças e de consciência pela justiça social.